salad days – mac demarco

 

É possível que, em algum momento, DeMarco tenha visualizado o sucessor de 2 – um álbum pequeno, mas absolutamente magnético – como um disco mais ambicioso. Possível, mas improvável. No entanto, não é exatamente absurdo pensar na ideia. Salad Days soa muito como seu antecessor, mas possui algo quase indecifrável que faz dele, intenções à parte, um disco mais complexo. O mais intrigante é que tudo nesse novo trabalho é minimalista em relação ao já muito minimalista disco anterior. São versos mais simples, riffs mais simples, solos mais simples. Tanta simplicidade só é perturbada por alguns chistes meticulosamente concebidos por DeMarco, como o Shit… sussurrado no início de ‘Brother’, os vocais que encerram ‘Let My Baby Stay’, o dedilhado no solo de ‘Goodbye Weekend’, a levada psicodélica de ‘Chamber of Reflection’ e por aí vai. Nesses momentos, ficamos vulneráveis a um profundo estranhamento relacionado a algo absolutamente familiar. É como se olhar no espelho e não reconhecer todas as partes que estão ali. Diante da certeza da intencionalidade por trás de tal aspecto de Salad Days, coloco ele já, assim sem pudor mesmo, na lista de meus favoritos do ano.

the friends of eddie coyle (1973) | peter yates

friendsofeddiecoyle

“It is a crime film with hardly any violence, hardly any raised voices, though every moment, for nearly every character, is pitched somewhere near the edge of desperation. If it weren’t goosed along by Dave Grusin’s jazzy score — a little too lively and extroverted for the drabness of the Boston-area locations— the movie would seem even more deliberately unemphatic”. 

E, ainda assim, é uma das obsessões que me dá mais orgulho na vida…

of montreal | lousy with sylvianbriar

Foi preciso ninguém levar mais fé no Of Montreal para eles gravarem o melhor disco desde Hissing Fauna, Are You The Destroyer? (um dos melhores álbuns da década passada). Bom, antes tarde do que nunca. Lousy With Sylvianbriar é coerente, conciso e – considerando o histórico de Kevin Barnes – o mais contido da carreira da banda.

Isso pode parecer irônico, uma vez que o LOUSY do titulo poderia ser indicativo de um disco raivoso e agressivo. No entanto, esse é o álbum mais calmo da banda, com um Barnes muito mais interessado em desenvolver melodias simples do que os floreios histéricos que fizeram a cabeça de 11 em cada 10 hispters anos atrás. Ainda assim, deixe-me clarear as coisas, não se trata de um disco simples. Existem muitas camadas a serem exploradas aqui.

De imediato, não lembro do Of Montreal soando tão reverente a sonoridades clássicas em álbuns anteriores. De Dylan – passando por Beatles, Stones, Creedance Clearwater Revival, Velvet Underground – aos camarins emplumados do glam da década de 70, Barnes vampiriza suas fontes até não restar uma gota de sangue na carcaça, para a partir daí criar um som que parece uma reengenharia genética do som quase operístico pelo qual a banda ficou conhecida. Tudo está lá, inclusive os maneirismos e a mistureba típica de Kevin Barnes, mas tudo muito menos embotado.

O talento de Kevin para escrever letras complexas e confessionais continua intocado. E se colocar essa lição de vida aqui –> You had to forgive your enemy/ Cos it was making you psychotic to keep fighting inside of your head/ But how could you allow these people that you don’t even respect/ To rape your self concept and make your inner world an ugliness <– no meio de uma música não deixar você pasmo, poucas coisas o farão.

Essa versão menos pirotécnica do Of Montreal é bem interessante e mostra um ângulo novo de uma fórmula que já andava desgastada. Se fosse gravado anos antes, poderia ser considerado um excelente disco de entrada, mas estamos falando do 12o álbum de uma banda. Por essa razão, vejo esse trabalho como um providencial desvio e uma dose extra de fôlego para uma carreira que estava muito próxima da asfixia.

Abaixo o áudio de ‘Triumph of Disintegration’, que lembra bem o som dos discos anteriores e é uma das melhores faixas do Sylvianbriar–>

gravidade | alfonso cuáron

A vida no espaço é impossível.

A frase, exibida logo no inicio de Gravidade, parece fazer alusão a um significado maior que a  impossibilidade da livre permanência humana no vácuo espacial. É justamente sobre essa premissa que Cuáron estabelece sua narrativa. O diretor parece tentar construir uma metáfora visual sobre a impossibilidade de uma existência sem propósito (explicando a piada: sem um centro gravitacional) e na necessidade que todo ser humano tem de encontrar um sentido para prosseguir.

Ainda não consegui decidir se essa ideia, sozinha, sustenta o filme para mim. No entanto, digo sem medo: nem mesmo essa aparente fragilidade conceitual consegue diminuir a experiência de vê-lo. E na maior tela possível (melhor uso do 3D, sem exagero nenhum).

Gravidade é um projeto científico. Um desses filmes tão meticulosos e bem realizados tecnicamente que dispensam qualquer observação alheia. Não vou nem entrar na polêmica retardada da plausibilidade dos eventos do filme, nem muito menos na precisão astrofísica da coisa. Estou falando sobre um produto de entretenimento e não sobre um artigo da Nature.

Cuáron nos convence rapidamente do terror da imensidão do espaço e em quão potencialmente mortal é a situação na qual as personagens se encontram. E sempre faz isso da forma mais inventiva possível. As câmeras flutuantes, os POV’s, os longos planos-sequência (marca registrada do diretor), tudo isso salienta a sensação de desorientação e falta de peso inerentes ao ambiente de gravidade zero.

A polaridade criada por ele entre a vastidão do universo e o ambiente claustrofóbico das cabines das estações espaciais e dos módulos de sobrevivência é outro ponto forte. O diretor é hábil mesmo quando seus personagens se encontram sob abrigo, onde dezenas de objetos substancialmente perigosos flutuam à deriva pelos compartimentos estreitos do local, criando uma sensação de asfixia lenta que eu não tinha desde o já distante Abismo do Medo.

No entanto, ao meu ver, o que faz do filme de Cuáron um grande filme e não uma obra-prima é o tratamento psicológico dos protagonistas. Como bem apontou Richard Brody, em crítica para a New Yorker, as personagens são absolutamente críveis, mas sem peculiaridade alguma. As decisões tomadas ao longo do filme nunca ressoam dramaticamente. Não quero revelar aspectos do filme, mas tudo pareceu um pouco esquemático pra mim.

Os diálogos, outro ponto fraco da produção, são explicativos demais e nunca contam mais sobre os protagonistas, tampouco fazem com que nos importemos mais com a sobrevivência deles. E mesmo quando um dos personagens toma uma decisão que muda completamente o rumo dos acontecimentos, tudo soa apenas como o mais lógico a se fazer. Não sentimos nada, apenas contemplamos.

Gravidade é uma grande metáfora visual, mas sinto que faltou um pouco de estofo intelectual e melhor aprofundamento dos personagens para equilibrar e compatibilizar com a complexidade técnica utilizada para contar a estória. Trata-se, sem dúvida, de um grande trabalho de direção. Uma experiência contemplativa definitiva, com níveis de tensão que fariam uma estátua de mármore suar a camisa. No entanto, ao meu ver, quando chafurdamos no terreno do conceitual, o filme se agarra a um fiapo de ideia e é quase tão estéril quanto o vácuo no qual os personagens são obrigados a tentar sobreviver.

the zero theorem | terry gilliam

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Curiosamente, Gilliam parece não ter visto muitos sci-fi nos últimos anos. Só isso pode explicar o tempo e os recursos desperdiçados num projeto que não faz nada, além de tentar requentar – e muito mal – ideias tão batidas quanto as vistas aqui.

Vamos lá: obsessão matemática e a busca por um sentido maior no amor e no amplo espectro das coisas foram muito, mas muito melhor trabalhadas em Pi e The Fountain, dois filmões de Aronofsky. Distopias, identidade, realidades alternativas, uso errado da tecnologia e destino foram temas melhor abordados por pelo menos 978569 produções nos anos 00, indo do excelente Moon, passando pelo histérico, mas eficiente Matrix e chegando a obras-primas do sci-fi recente, como Primer e Upstream Color. 

Cada um desses filmes mencionados – e muitos outros – estabeleceram visões muito particulares e, em alguns casos, idiossincráticas de temas muito muito universais. Infelizmente, nada na visão de The Zero Theorem contribui para o estabelecimento de uma nova perspectiva ou aprofundamento da discussão sobre as questões levantadas por ele mesmo. Tudo foi absolutamente melhor tratado e amarrado em produções anteriores e recentes.

O humor de Gilliam até continua afiado. Sacadas geniais, como a Igreja do Batman Redentor e o diálogo que faz uma referência para lá de sarcástica ao já mencionado Matrix, trazem um pouco do sarcasmo do Monty Pyhton para dentro do universo distópico criado por ele. Por outro lado, o diretor utiliza nível de sutileza Regina Casé quando constrói suas analogias. A câmera substitui a cabeça de um Cristo crucificado e vigia o protagonista permanentemente. O vazio interior do protagonista é sempre representado por um ameaçador buraco negro saído de algum filme de Malick. O paraíso é representado por uma ilha tropical repleta de cores quentes durante o entardecer. E por aí vai…

O design de produção também é irregular. Por um lado, acerta muito ao criar um universo retrô-futurístico (bem parecido com o de Twelve Monkeys) e steampunk decorado pela mesma paleta de cores de Candy Crush. Por outro, irrita em dedicar tanto tempo de tela às imagens CGI do código em que o protagonista trabalha, por sua vez tão visualmente interessantes quanto as vinhetas do Hans Donner para a programação da TV Globo de 1987.

Pois é, queria muito ter gostado de The Zero Theorem. Considerava- o um dos must-sees do ano.  Infelizmente, o filme diverte às vezes e irrita quase sempre. O visual até enche os olhos, mas narrativamente falando a única qualidade dele é me dar saudades de outros filmes que estabeleceram visões muito mais intrigantes dos mesmos temas.

juan carlos onetti

“Talvez, todo tipo de existência que eu possa imaginar deva transformar-se num mal-entendido. Talvez, pouco importa. Entretanto, sou esse homem pequeno e tímido, imutável, casado com a única mulher que seduzi ou que me seduziu, incapaz, não mais de ser outro, mas da própria vontade de ser outro. O homenzinho que sofre à medida que o infortúnio cresce, o homenzinho confuso em meio à legião de homenzinhos aos quais foi prometido o reino dos céus. Asceta, como zomba Stein, pela impossibilidade de me apaixonar e não pela absurda aceitação de uma convicção mutilada. Este eu, no táxi, inexistente, mera encarnação da ideia Juan María Brausen, símbolo bípede de um puritanismo barato feito de negativas – não ao álcool, não ao tabaco, um não equivalente às mulheres -, ninguém, na realidade; um nome, três palavras, uma diminuta ideia construída mecanicamente por meu pai, sem oposições, para que suas também herdadas negativas continuassem sacudindo as enraivecidas cabecinhas mesmo depois de sua morte. O homenzinho e seus mal-entendidos, definitivamente, como para todo o mundo. Talvez seja isso o que vamos aprendendo com os anos, insensivelmente, sem prestar atenção. Talvez os ossos saibam disso, e quando estamos decididos e desesperados, no alto do muro que nos encerra, tão fácil de pular – se fosse possível pulá-lo; quando estamos a um passo de aceitar que, definitivamente, só nós mesmos é que importamos, porque somos a única coisa que nos foi indiscutivelmente confiada; quando vislumbrarmos que somente a própria salvação deve ser um imperativo moral, que somente ela é moral; quando conseguirmos respirar por uma impensada fresta o ar natal que vibra e chama do outro lado do muro, imaginar o júbilo, o desprezo e a desenvoltura, então talvez nos pese, como um esqueleto de chumbo enfiado nos ossos, a convicção de que todo mal-entendido é suportável até a morte, menos o que venhamos a descobrir fora de nossas circunstâncias pessoais, fora das responsabilidades que podemos rejeitar, atribuir, derivar”.

Trecho de A Vida Breve, de Juan Carlos Onetti, um autodidata que não se deu ao trabalho de terminar o ensino médio, mas que faz – em um parágrafo – 95% dos escritores contemporâneos soarem como crianças de seis anos.

II | Unknown Mortal Orchestra

É difícil não ser cúmplice de um disco tão certo e estranhamente familiar como II, segundo trabalho do Unknown Mortal Orchestra. Para mim, é ainda mais difícil escrever algo que não soe excessivamente reverente e, por essa razão, chato sobre os caras.

O som desse trio mezzo americano, mezzo neo-zelandês não é exatamente uma pedra angular na cultura pop. Existem pelo menos duas ou três bandas muito respeitáveis (contabilizo aqui o Ariel Pink e o Tame Impala, além do Orchestra) por aí fazendo não o mesmo som, mas seguindo a mesma lógica na estruturação de suas canções.

Longe de ser revivalista, o UMO entorta tudo que encontraram no baú de velharias da década de 60 para obter, ao final, um som idiossincrático e muito contemporâneo. As batidas são importadas do R&B e do funk de jóias como o Love, Otis Redding, Sly and The Family Stone e por aí vai. As melodias conjuram a psicodelia braba dos Zombies, Byrds e outras chapações da mesma fornada, com o adendo da magnificência melódica de um Brian Wilson. A sonoridade final honra todas as longevas tradições garageiras, promove bem o remelexo alheio nas pistas e derrete o juízo dos desavisados que se arriscam a abusar do volume no headphone.

Ruban Nielson, songmaker e guitarrista, é um detalhista e parece receber cachê pelo número de acordes executados no menor período de tempo possível. Alguns sites influentes já se referem ao cara como guitar hero. Para mim, soa brega e exagerado, mas devo concordar que não se trata de um músico qualquer, ainda mais se considerarmos que o ambiente indie não está exatamente coalhado de bons músicos (vide o Phoenix).

Quando o deslumbramento auditivo inicial passar, você há de reparar que o brilhantismo de Nielson vai um pouco além da produção lo-fi esmerada e do virtuosismo guitarrístico, estendendo-se ao campo da literatura.  Fosse eu o encarregado, colocaria um Pulitzer na mão dele só pelo nível de atordoamento e beleza de versos como I wish I could swim and sleep like a shark does/ I’d fall to the bottom and I’d hide ‘til the end of time.

Para a sorte do mundo das artes, muito mal sou encarregado de pôr o lixo daqui de casa pra fora. Mas tamo aí dando a cara a tapa mesmo, ciente das retaliações advindas do apaixonamento pelo disco alheio, porque de outra forma não teria muita graça mesmo. Aos destemidos, segue abaixo uma apresentação curtinha, mas muito jaw-dropping dos caras. Aos futuros drogadictos, minhas recomendações!

retorno ao planeta dos macacos

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De uma coisa ninguém pode acusar os Arctic Monkeys: comodismo. A cada álbum, o quarteto de Sheffield acrescenta umas milhas a mais na distância entre o que eles são hoje como banda e o que eles costumavam ser no início da carreira. E isso serve para os penteados também, mas isso é outra história. Não quero fazer parte da patota que anda falando que AM, nova bolacha lançada pelos ingleses, é o disco do ano. Longe disso. No entanto, se houvesse uma categoria “disco mais surpreendente”, os Monkeys seriam fortes candidatos.

O quinto álbum dos primatas é, outra vez, um passo adiante em relação a seu próprio som. A influência do rock setentista está ainda mais evidente nesse trabalho. No entanto, os ingleses lançam mão de outros artifícios, como programações eletrônicas (influência do produtor James Ford, que capitaneia o Simian Mobile Disco nas horas vagas), arranjos que remetem ao R&B e ao pop feito na década de 60, falsetes e back vocals que deixariam os irmaos Gibb corados de orgulho, o que faz desse o disco mais musical já feito pela banda.  

A falta de parcimônia no escancaramento de referências sempre foi uma qualidade do quarteto. E, nesse disco, os primatas se afundam de vez na lingerie das origens de seu próprio som. “Do I Wanna Know?” é rock básico sem frescuras, cuja pólvora e a estopa são o crooning perfeito de Turner e um riff sombrio e pesado saído do baú de memórias de algum dos membros do Black Sabbath. “Mad Sounds” chega a dar vergonha de tanta reverência a Lou Reed e o Velvet Underground, mas é uma das melhores faixas do disco. “Fireside” possui o ectoplasma das sinfonias pop que influenciaram o The Last Shadow Puppets, projeto paralelo de Turner com Miles Kane (e que a casa recomenda bem), e que agora voltam a assombrar as paragens. 

“No.1 Party Anthem” mostra Turner em excelente forma como letrista com versos tão desconcertantes quanto She’s a certified mind blower knowing full well that I don’t /I may suggest that there’s somewhere from which I might know her just to get the ball to roll.  “Knee Socks”, dançante e com uma pegada mezzo eletro-pop, deve animar 11 em cada 10 baladinhas. “Arabella” lambe as botas da fase tardia do Led Zeppelin e “I Wanna It All”  soa como T-Rex e outras criaturas próprias dos recônditos escuros do glam feito na década 70.

Mas nem tudo dá certo nesse novo trabalho dos ingleses. “Snap Out Of It” tem os dois pés afundados no R&B feito por nomes como Stevie Wonder e poderia ser um trunfo e tanto se não fosse completamente esquecível. I get the feeling that I’ve left it too late/ but snap out of it, canta Turner ao mesmo tempo em que parece ouvir os pensamentos de quem o ouve.  Em “One For The Road”, Turner divide os vocais com o lorde das hostes perdidas Josh Homme, que aqui solta a franga em falsetes dignos de um Kevin Barnes. O resultado é algo situado entre o histérico e o constrangedor.

É no mínimo ingênuo falar em melhor do ano quando se refere ao Arctic Monkeys. Aqui ninguém é menino. Todo mundo sabe que pelo menos outras 38979487 bandas maiores, melhores e mais inovadoras dão sopa por aí. No entanto, a surpresa causada pela qualidade desse novo disco em relação ao anterior é da dimensão *charlton heston encontra estátua da liberdade no meio do deserto*. AM é um disco divertido, com um punhado de faixas que não reinventam a roda, mas sem dúvida reacendem o interesse na carreira dos ingleses.

wong kar wai

2046

Not the biggest, not the best, but certainly the saddest movie of the 2000’s.

5:22 AM

This town, is coming like a ghost town
This town, is coming like a ghost town
This town, is coming like a ghost town
This town, is coming like a ghost town